CREPUSCULAR (ITINERÁRIOS DA ARRÁBIDA). Sebastião da Gama (1924-1952)

 
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San Pedro de Alcántara (1499-1562) orando en el convento novo da Arrábida

(escultura)

[Foto: Lorenzo del Término (Portugal 2016)]

 

   Aqui onde estou só, não estou só.
—Estão comigo todos os que eu amo
e não sabem nem podem
viver em si a sua vida;
estão em mim, os meus, e é com minh’alma,
por todos irmãmente repartida,
que conseguem viver a sua vida.
E eu vivo agora mais, que os vivo a todos.
E eles todos deixaram
de apenas existir…
Ah mistério inefável!…
—São seus lamentos meus ou alegrias.
Todo vibro de Amor. Abraço e beijo.
Sou a fogueira rubra a que se aquecem
aqueles que eu amei só porque os vi.
Sou noite de Natal.
Sou as lembranças dos velhos;
os sonhos das raparigas;
os olhos encantados do menino
que se parece comigo
quando eu era pequenino,
e também se debruça na fogueira.
Sou a tristeza de alguns
e o seu conforto.
E sou eu
que dei sentido à su vida e à minha;
o que fugiu do povoado
e no ermo da Serra se isolou
……(ai a dor de ver todos sem viver!
……sem reparar no seu Amor mendigo!
……ai simulacros de almas que o levaram
……a retirar-se consigo,
……desgostado,
……lá no deserto monte
……aonde, perdoando, o invocou!)

   Até aonde estou
vieram,
pelos caminhos longos da minh’alma,
os que me não quiseram
e me fizeram
fugir.
E logo tudo se passou
como se eu estivesse lá como eles
e não aqui no ermo,
só.

 

[ITINERÁRIOS DA ARRÁBIDA (COLECÇÃO DE 16 POSTAIS).

Poemas de Sebastião da Gama (1924-1952).

Edição da Câmara Municipal de Setúbal.

Poema 7.

1987]

 

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DA SERRA DA ARRÁBIDA. Frei Agostinho da Cruz (1540-1619)

 

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