LUSITÂNIA E PORTUGAL, LUSOS E PORTUGUESES. Luis Jorge Rodrigues Gonçalves (pág. 78 de «CARMINA LUSITANA» 2007)

 

 

Foi André de Resende, em Erasmi Encomium, de 1531, que desenhou o carácter honorífico que identificou Portugal como a Lusitânia. Mas é na poesia de Luís de Camões que devemos encontrar a força da assimilação entre a Lusitânia e Portugal e entre lusos e portugueses. Desde logo no título da sua principal obra Os Lusíadas, onde cantou: «As armas e os barões assinalados/ Que, da Ocidental praia Lusitana,/ Por mares nunca dantes navegados/ Passaram ainda além da Taprobana.» (I, 1, 1-4)

            Ou ainda «Que eu canto o peito ilustre Lusitano…» (I, 3, 5). Mas também quando situa Portugal na Europa: «Eis aqui, quase cume da cabeça/ De Europa toda, o Reino Lusitano,/ Onde a terra se acaba e o mar começa/ E onde Febo repousa no Oceano.» (III, 20, 1-4)

            Quando procurou a origem do nome Lusitânia, como estando associado a Baco: «Esta foi Lusitânia, derivada/ De Luso ou Lisa, que de Baco antigo/ Filhos foram, parece, ou companheiros,/ E nela antam os íncolas primeiros.» (III, 21, 5-8)

            Ou quando viu Viriato como um precursor líder português: «Desta o Pastor nasceu que o seu nome/ Se vê que de homem forte os feitos teve,/ Cuja fama ninguém virá que dome,/ Pois a grande de Roma não se atreve.» (III, 22,1-4)

            Este entusiasmo camoniano, que identificou Portugal como sucessor da Lusitânia, não podia cair no esquecimento e o conceito passou a designar Portugal, embora o conceito poético não correspondesse à realidade histórica, por não ter existido uma coincidência de territórios entre Portugal e a província da Lusitânia. Desde logo Portugal, como Estado, nasceu em Guimarães, na região de Entre-o-Douro-e-Minho, uma parte do território que não fez parte da Lusitânia. Por outro lado, a capital da Lusitânia, «Augusta Emerita», e toda a parte oriental da província, não incorporaram o território português.

            A linha camoniana, ainda no final do século XVI, teve como seguidor frei Bernardo de Brito, um monge de Alcobaça, da ordem de Cister, que concebeu uma história de Portugal que intitulou de Monarquia Lusitana, cuja primeira parte saiu em 1597 e a segunda em 1609. Se na primeira parte contém as «histórias de Portugal desde a criação do mundo até o nascimento de nosso senhor Jesús», na segunda parte continuou «as histórias de Portugal desde o nascimento do nosso salvador Iesu Christo até ser dado em dote ao Conde Dom Henrique.» Em 1614, o rei Filipe II nomeou-o «Cronista Mor do Reino» e frei Bernardo de Brito abandonou o projecto da obra Monarquia Lusitana, continuada por frei António Brandão, que na terceira parte tratou da História de Portugal, «desde o Conde Dom Henrique, até todo o reinado de el rei D. Afonso Henriques.» A oitava e última parte da Monarquia Lusitana, publicada, em 1727, por frei Manuel dos Santos, «a história e sucessos memoráveis do reino de Portugal no tempo de el rei D. Fernando, a eleição de el rei D. João I», consolidou, na historiografia, depois da poesia, a assimilação da Lusitânia a Portugal.

            Este conceito e esta obra foram importantes, particularmente no período de união da monarquia portuguesa e espanhola, entre 1580 e 1640, por fundamentar a ancestralidade histórica dos portugueses, cujas raízes estavam nos lusitanos, mesmo que não correspondesse a um rigor histórico.

            No mundo da poesia a Lusitânia transformou-se em bandeira de pensamento, como na célebre academia literária «Arcádia Lusitana», fundada em 1757, por Cruz e Silva, Teotónio Gomes de Carvalho e Estêvão Negrão, aos quais se juntou Correia Garção. Estes poetas procuraram sintetizar em «Arcádia» a adesão uma estética neoclássica, com fundo na Razão e no culto do Natural, e em «Lusitana» realçar o seu carácter português.

            Nas ciências a «Sociedade Arqueológica Lusitana» (1849-1857), promoveu trabalhos arqueológicos em Tróia, de procura da ancestralidade. 

            Em 1822, António Feliciano de Castilho, em A Primavera, introduziu a noção lusitanismo, como o modo de falar ou escrever da língua portuguesa, fazendo deste modo entrar conceito de Lusitânia na identificação do idioma português. Ricardo Jorge, em Brasil Brasil! (1880-1939), criou o conceito de lusitanista, como o que estuda a língua e cultura portuguesa.

            O século XX trouxe esta adjectivação para a política, como os Lusitos, jovens da Mocidade Portuguesa entre os 7 e os 10 anos, ou os Viriatos, grupo de voluntários portugueses que participaram na Guerra Civil de Espanha (1936-1939).

            Hoje a Lusitânia, recuperada por humanistas, cantada por poetas é sinónimo de lusofonia, de portugueses, unindo uma vasta comunidade. Mas foi a Lusitânia, província romana, origem de dois povos que estão próximos.

 

«CARMINA» Nº 3

 

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